domingo, 25 de setembro de 2016

Setembro azul



Já faz um tempo que não escrevo, não por falta de tato, mas por falta de tempo… Tempo para sentar sozinha e no meu silêncio colocar no papel todas as ideias que ficam flutuando em minha mente…  mas aproveito esta tarde de domingo, nublada aqui em Cotia em que Maria está descansando quarto dela, e que Arthur ainda está dentro da minha barriga (estamos com 35 semanas e meia) para escrever um pouco sobre como tem sido algumas experiências de mãe de uma criança surda…
Não é fácil! Não é fácil ser mãe, não é fácil ser mãe de uma criança que precisa de uma atenção diferenciada, ela precisa aprender uma língua, nós também… E pra isso é preciso tempo de estudo e dedicação, Libras e uma língua com estrutura própria e não uma mímica, onde é só colocar os sinais e pronto…Precisa pensar para construir uma frase bem dita. Estou cursando LIBRAS na puc todo sábado, e saio de lá com a impressão que precisava de muito mais horas de estudo, não quero apenas saber falar com minha filha, quero ter conversas longas com outros surdos, quero aprofundar meus relacionamentos… Mas não é tão fácil …
Não é fácil a rotina pra Maria, sendo surda usuária de implante coclear ela precisa fazer terapia 2 vezes por semana, e algumas vezes ela chega lá tão cansada que o atendimento nem rende.. Não é fácil pra ela também… Não quero ficar aqui com tom de reclamação, mas desabafando um pouco sobre o que temos vivido… Não tem sido fácil… mas não apenas pra nós! Para os surdos em geral
também não é fácil, por isso, o mês de Setembro foi escolhido para divulgar melhor sobre a surdez e como tornar a vida do surdo mais acessível… E porque? Porque as pessoas em geral ainda acham que o surdo precisa ficar isolado dos outros. Ah Ester, você não está exagerando? Não, não estou não… E vou te contar uma experiência que vivemos tem uns 3 meses mais ou menos…
“chegamos em um determinado lugar, com diversas crianças e depois separadas por idade, foram para uma sala onde ouviriam uma história, assim que a contadora da história percebeu que Maria Clara é surda, olhou pra mim e disse: ‘quer que eu de um desenho pra ela?’ Oi??? Aquela mulher achou que ela ficaria melhor sentada à parte das outras crianças desenhando, porque não seria capaz de entender a história… Maria não iria ouvir e entender a história ouvindo, obviamente, mas se ela fixasse o olhar nela e mostrasse as figuras que já tinha separado pra história, Maria poderia reconhecer o que já conhecia (eu já havia contado aquela história anteriormente) e tudo bem… Foi a primeira vez que senti que minha filha fora excluída… É um sentimento horrível. Um mês inteiro para falar que o surdo não precisa ficar sozinho ao lado às vezes é pouco… (Aproveito para dizer que o uso de aparelhos e implantes, não faz do surdo um ouvinte, não fazem milagres e que existe um tempo  para adaptação. Maria usa o implante  coclear, mas só irá compreender a fala e o significado das palavras daqui há alguns anos…)
    
Um mês para lembrar que a LIBRAS é uma língua reconhecida e é inclusive a segunda língua oficial do Brasil! E o surdos tem o direito de usá-la. Tem o direito a ter intérpretes para que ele entenda melhor todas as coisas… Não é luxo! É uma necessidade! E é preciso entender que sendo o português escrito sua segunda língua não é tão fácil a sua escrita ou entendimento. Os surdos se esforçam muito para aprender português escrito, mas nós temos pouquíssimas escolas bilíngues no Brasil. Forçar uma criança surda a estudar em uma escola regular sem antes ter formado sua linha de pensamento e raciocínio na língua de sinais é não reconhecer a importância da língua no desenvolvimento intelectual de cada indivíduo. Uma vez, logo no início da descoberta da surdez de Maria, uma professora me disse para colocar Maria em uma escola regular (com ouvintes) desde pequena enquanto eu aprendia libras para reforçar em casa a matéria, no momento só ouvi pois era tudo novo… Hoje entendo que não é este o caminho, como ela iria entender as matérias? Seria como colocar uma criança brasileira sendo sua primeira língua o português em uma escola japonesa onde todos falam japonês! Fica difícil né? Por isso o mês de setembro também serve para reforçar a necessidade de escolas bilíngues (Libras e português escrito) para que as crianças possam aprender e ter a base de estudos pelos sinais, e depois de construído isso, aí sim, poderão ir para uma escola regular com o auxílio de um intérprete.

Tem muita coisa a se escrever, mas talvez você não teria tempo para ler… Então, vou parando por aqui, mas antes quero contar sobre uma experiência que prova que nem tudo está perdido, estávamos em Goiânia em agosto e fomos visitar uma igreja, a professora da sala das crianças, sabendo que Maria Clara estaria lá, passou a tarde inteira aprendendo alguns sinais para que ela compreendesse melhor a história! Fiquei emocionada e ainda fico quando lembro disso, pois isso foi a demonstração de que todas as pessoas merecem ser respeitadas e que não precisa de muito para dar acessibilidade aqueles que precisam.. Ela não fez um curso intensivo, mas aprendeu o básico para aquele momento. É por isso que o “ setembro azul” existe, para que os ouvintes, olhem para o surdo, não com pena, não com medo, não com indiferença, mas com empatia, buscando auxiliar a comunicação. Pois a diferença entre o surdo e o ouvinte é a possibilidade de ouvir. A diferença é a língua…
Aprendamos o básico da segunda língua oficial do Brasil e assim iremos levar a acessibilidade para o nosso compatriota. Que em todas as esferas haja um intérprete de libras qualificado e quem sabe pessoas que não são profissionais, mas que saiba ser educado e dizer o necessário para o surdo.
Ser mãe de uma criança surda não é fácil, assim como não é fácil ser mãe de uma criança ouvinte. Mas se cada um fizer a sua parte, teremos um mundo melhor… Olhando para o outro como um ser único e com necessidades específicas.
Espero não demorar muito para escrever o próximo post hehe
Obrigada por ler tudo isso aqui…